segunda-feira, 14 de novembro de 2011

História da MPB (Parte 1)





Não há dúvida de que a música brasileira é uma das mais ricas e apreciadas do mundo. Ela sintetiza muito bem a mistura de etnias que originou o povo brasileiro. Sendo assim, a música popular brasileira (MPB) reúne elementos da cultura de suas três matrizes étnicas: a européia, a indígena e a africana.


Vários foram os temas das músicas populares brasileiras. Da narração do cotidiano à exaltação do Brasil, todo tipo de assunto foi abordado por seus compositores. Mas um traço marcante da MPB é o seu engajamento em relação aos temas que marcaram a história do país. As perseguições, a repressão, a censura e todo tipo de injustiça foram amplamente tratadas por seus músicos. Mas como tudo isso surgiu?


Desde a época colonial (1500-1822) sempre se fez música no Brasil. Nesse período destacaram-se dois estilos musicais: a modinha e o lundu. A modinha surgiu a partir das elites portuguesas que viviam no Brasil. Já o lundu surgiu a partir de escravos africanos, que através de muito batuque e danças sensuais remontavam suas origens ancestrais. O curioso é que o lundu rapidamente pegou elementos da cultura portuguesa e por isso pode ser considerado o primeiro estilo musical genuinamente brasileiro.


Mais tarde, já no século XIX, surgiu no Brasil o choro ou chorinho, estilo musical que também trouxe características da música européia e da africana. O primeiro grande nome do chorinho foi a pianista Chiquinha Gonzaga, que aliás é tida como a primeira compositora popular do Brasil.


O chorinho percorreu todo o século XX e até hoje tem muito espaço na música popular brasileira. Dessa forma, vários chorinhos foram compostos durante o século passado, entre os quais eu destacaria os clássicos: Brasileirinho e Pedacinho do céu. As duas composições são de Waldir Azevedo, o que o torna, sem dúvidas, um dos grandes nomes da MPB.


Outro ritmo brasileiro surgido no século XIX e notabilizado no século XX é o samba. Este ritmo tem origem na Bahia, mas repercutiu mesmo na então capital do país, o Rio de Janeiro. O samba possui vários gêneros, entre os quais: o samba de roda, o samba-canção, o samba-enredo e o partido-alto. Claramente, o samba é hoje o principal ritmo brasileiro, porém em seu início, os sambistas foram duramente perseguidos pelas autoridades brasileiras. O ritmo era considerado música de malandro e vagabundo. Sem dúvida, o racismo e o classismo foram os principais elementos dessas perseguições.


Mas aos poucos o samba foi conquistando seu espaço. Até que no ano de 1917 foi gravado o primeiro samba da história. Trata-se de Pelo Telefone, composta por Donga. Esta música aborda uma grande novidade tecnológica da época, o telefone. Vale ressaltar, como curiosidade, que 80 anos mais tarde, Gilberto Gil compôs Pela Internet, música que fala do surgimento de outra grande novidade, nesse caso, da internet. Gil se inspirou em Donga nesta releitura histórica.


Com o passar do tempo, grandes músicos foram surgindo. Nas décadas de 10, 20, 30, 40 e 50, apareceram mestres como: Noel Rosa, Pixinguinha, Lamartine Babo, Ary Barroso, Cartola, Dolores Duran, Dorival Caymmi e Luiz Gonzaga.


Noel Rosa foi um grande sambista carioca. Cantor e compositor de grande talento, Noel tocava também violão e bandolim. Muito boêmio, o sambista acabou morrendo muito jovem (26 anos), vítima de tuberculose. Mesmo vivendo pouco, compôs centenas de canções, entre as quais eu destacaria Conversa de Botequim. Nesta música, ele mostra o cotidiano de um típico bar carioca, narrando a relação entre o cliente e o garçom do botequim.


Pixinguinha foi outro sambista carioca de grande talento. Flautista, saxofonista, compositor e arranjador, ele também marcou seu nome na história da MPB. Sem dúvida, seu grande clássico é Carinhoso. Com letra de João de Barro e música de Pixinguinha, a canção fala de um amor não correspondido. O amor pode não ser correspondido, mas mesmo assim o personagem da letra não perde a esperança: “só assim então serei feliz”.


Outro sambista importante da música popular brasileira foi o também carioca Lamartine Babo. Notável autor de marchinhas de carnaval, Lamartine compôs também os hinos de todos os grandes clubes do futebol carioca. Para evitar polêmicas de preferência clubística, destaco sua marchinha mais conhecida: o teu cabelo não nega.


Ary Barroso era mineiro, mas fez carreira artística no Rio de Janeiro. Ary foi um grande compositor de músicas e também um importante radialista. Morou na cidade maravilhosa dos 17 anos de idade até sua morte aos 62. Seu grande sucesso inegavelmente foi a belíssima Aquarela do Brasil. Esta canção exalta as qualidades e grandiosidades do Brasil, por isso foi qualificada como “samba-exaltação”. Criticada por uns e adorada por outros, Aquarela do Brasil notabilizou-se como uma das principais músicas da história da MPB.


Para fechar, por enquanto, a lista de grandes sambistas, não poderia faltar Cartola. Além de exímio compositor e grande violinista, ele foi um dos fundadores da escola de samba Mangueira. Em sua fase mais criativa, Cartola compôs algumas obras primas da música popular brasileira. Sua canção mais conhecida é As Rosas não Falam, um grande sucesso.


Ainda no Rio de Janeiro, mas saindo um pouco do universo do samba, cabe destacar a talentosíssima Dolores Duran. Esta grande compositora infelizmente faleceu muito jovem, aos 29 anos, e portanto poderia ter contribuído ainda muito mais com a MPB. De Dolores eu elejo, como música mais bela, A noite do meu bem.


Saindo do Rio de Janeiro e viajando para a região nordeste, temos que lembrar de Dorival Caymmi. Nascido em Salvador, ele compôs suas músicas inspirado nas ricas tradições do povo baiano. O sofrimento dos negros, as histórias dos pescadores e a sensualidade da mulher baiana foram alguns dos ingredientes usados por Caymmi em suas composições. Maracangalha é um de seus grandes sucessos.


Outro grande cantor e compositor nordestino, este do Pernambuco, foi Luiz Gonzaga. Conhecido como o rei do baião (um dos ritmos que formam o forró), Gonzaga descreveu para todo o Brasil o estilo de vida do sertanejo nordestino, da alegria de suas festas juninas ao sofrimento trazido pelas secas e pela opressão dos latifundiários locais. Autor de dezenas de grandes sucessos, sua canção mais conhecida é Asa Branca. Acho que ela dispensa comentários.


Eis que no final da década de 50 surge no Brasil um ritmo brasileiro que se tornaria internacionalmente conhecido, a bossa nova. Seus grandes nomes: João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. As duas canções mais conhecidas da Bossa Nova são Chega de saudade e Garota de Ipanema. Ambas são de Tom e Vinícius. Já João Gilberto foi quem inventou a batida da bossa nova, daí sua grande importância para o ritmo.


A década de 60 foi marcada por grandes turbulências políticas no Brasil. Em 1964 os militares tomaram o poder por meio de um golpe de Estado. Obviamente os compositores brasileiros se viram compelidos a protestar. Daí grandes artistas brasileiros foram revelados tais como: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, entre vários outros.


Caetano compôs Alegria, Alegria, uma canção de protesto contra o regime militar. Chico compôs várias músicas marcantes. A Banda, uma inocente canção, foi seu primeiro sucesso. Cálice foi um soco na boca do estômago dos militares. Apesar de Você foi um grito escancarado de insatisfação contra a ditadura. E Construção revela a opressão política e econômica que assolavam os operários brasileiros.


Já Gilberto Gil compôs a grande música Domingo no Parque, um dos símbolos do movimento artístico denominado Tropicália. E Geraldo Vandré fez Pra não dizer que não Falei das Flores e Disparada. A primeira era quase um panfleto convocando a população brasileira para as ruas. E a segunda revelava outro traço importante do Brasil na década de 60, a transformação do país de rural para urbano. Nota: todos esses artistas foram duramente perseguidos pela ditadura militar brasileira.


Ainda na década de 60 surgiu outro movimento de grande relevância para a história da MPB: a Jovem Guarda. Influenciados pelo Rock and Roll, artistas como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Celly Campelo etc. arrastaram multidões com suas músicas. As letras falavam sobre o comportamento dos jovens da classe média, principalmente seus romances, suas diversões e suas rebeldias. O movimento era apolítico, daí muita gente, sobretudo opositores do regime militar, torcer o nariz para a Jovem Guarda. Seus integrantes eram tidos como “alienados”, um termo muito comum à época.


Da Jovem Guarda eu destacaria O Bom (de Eduardo Araújo), música que fala de “carrão” e de paqueras; Festa de Arromba (Roberto Carlos); Quero que vá tudo para o Inferno (Roberto e Erasmo), letra sobre amores e desencantos amorosos; e Biquíni de Bolinha Amarelinha (Celly Campelo), canção que aborda o novo comportamento jovem de então, no caso as roupas curtas das moças.

História da MPB (parte 2)









A partir da década de 70, muitos artistas foram revelados pela música popular brasileira. Nomes como Elis Regina, Raul Seixas, Rita Lee, Fagner, Tim Maia, Jorge Ben e Clara Nunes enriqueceram ainda mais a história de nossa música.

A gaúcha Elis Regina é tida por muitos como a maior cantora da história da MPB. Na voz de Elis merecem destaque a belíssima Como nossos pais (letra de Belchior), música que aborda a relação entre pais e filhos. E O bêbado e a equilibrista (música de João Bosco e Aldir Blanc), canção que ficou conhecida como o samba da anistia, pois menciona a volta dos exilados políticos ao Brasil em 1979.

Outro grande nome da MPB é o baiano Raul Seixas. Raulzito, como era conhecido, fez uma grande mistura de ritmos, principalmente do rock com a música nordestina. De Raul eu destacaria Ouro de tolo, canção de 1973, que aborda o chamado milagre econômico brasileiro e a conseqüente apatia política da maior parte da classe média no Brasil à época.

Da paulista Rita Lee, o destaque vai para Alô, Alô, Marciano, música em que Rita narra para um ET o quão está confuso e complicado o planeta Terra. Do cearense Fagner eu ressalto Canteiros, bela canção com letra baseada na poesia de Cecília Meirelles. Do carioca Tim Maia eu destacaria Imunização racional, música em que Tim se revela um adepto da “filosofia racional”, doutrina contida no livro Universo em Desencanto. Do também carioca Jorge Ben (hoje Jorge Ben Jor) vale destacar W Brasil, música que faz uma espécie de raio-x do Brasil do final do século XX.

Outro grande nome da MPB é Clara Nunes. Nascida no interior de Minas Gerais, ela fez carreira musical primeiro em Belo Horizonte, depois no Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, a cantora teve um contato maior com o samba e a partir disso não parou de fazer sucesso. Na voz de Clara, o grande destaque vai para Canto das três raças, letra que narra o quanto foi sofrido o processo de construção do povo brasileiro.

Ainda dentro do samba não poderia faltar uma menção ao grande Adoniran Barbosa. Sambista nascido em São Paulo, Adoniran colocou em suas músicas o jeito que o paulista simples falava. “Tiro ao álvaro” (tiro ao alvo), “frechada” (flechada) e “tauba” (tábua) são alguns exemplos disso. Seu grande sucesso: Trem das Onze. “Não posso ficar nem mais um minuto com você, sinto muito amor, mas não pode ser. Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem, que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã”. Adoniran Barbosa foi o grande compositor do chamado “samba paulista”.

Eis que chegamos à década de 80, época em que a MPB ficou marcada pelo rock e pela música de protesto como um todo. Talvez o maior símbolo dessa época seja a banda brasiliense Legião Urbana. Em Que país é este a Legião escancara os problemas do Brasil daquele momento. Já em Tempo Perdido a temática gira em torno da juventude candanga.

De São Paulo surgiram os Titãs. Em Homem Primata, o grupo paulistano faz ácidas críticas ao capitalismo (selvagem). Já a banda carioca Paralamas do Sucesso (carioca, mas que começou sua jornada em Brasília) em A Novidade critica as altíssimas desigualdades sociais dos anos 80. E os brasilienses da Plebe Rude em Até quando esperar abordam a péssima distribuição de renda do nosso país.

Ainda na década de 80 surgiu no cenário da MPB o carioca Cazuza. Em Ideologia, o cantor fala das desilusões e da falta de perspectiva para um futuro melhor. Enquanto que o grupo gaúcho Engenheiros do Hawaii regravou Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, canção que narra os horrores da Guerra do Vietnã.

Não podemos deixar de mencionar o paraibano Zé Ramalho. Em 1979 ele compôs Admirável Gado Novo. Mas essa música se encaixa perfeitamente na década de 90, afinal, tem tudo a ver com a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Êeeeeh, ôooooh, vida de gado, povo marcado, êh, povo feliz”!

Na década de 90 mesmo surgiram a banda carioca O Rappa e o grupo paulistano de rap Racionais MC’s. Do Rappa vale destacar Minha Alma, canção que fala da insegurança, da falta de liberdade de quem mora num condomínio fechado e do tédio de uma tarde de domingo. Dos Racionais eu destacaria Capítulo 4, Versículo 3, rap de 1997, que é quase uma profecia do final do milênio.

Então é isso. Esta foi uma brevíssima história da MPB.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Momentos cretinos no esporte



Duas notícias do esporte me deixaram indignado esta semana. O curioso é que ambas apresentaram um aspecto em comum: influências indesejáveis e nefastas de elementos externos ao mundo desportivo.

A primeira delas veio do tênis. Esta semana está acontecendo um rico e importante torneio da turnê feminina de tênis: o WTA de Dubai, realizado na capital dos Emirados Árabes Unidos. Até aí nada de mais, países pródigos de petrodólares - como Emirados Árabes, Qatar e Bahrein - estão, hoje em dia, vidrados na idéia de organizarem grandes eventos esportivos. Pois bem, eis que atualmente há no tênis feminino uma competitiva jogadora israelense chamada Shahar Peer (21 anos), número 48 do ranking da WTA. Já vai sendo possível imaginar o que aconteceu?! Sim, isso mesmo. Simplesmente, Dubai negou visto à tenista israelense. Justificativa das autoridades dos Emirados Árabes: cidadãos de Israel não podem ingressar no país. E Peer acabou ficando de fora do torneio.

Série de absurdos: 1) Se dado país organiza um evento esportivo, ele, obrigatoriamente (minha opinião), deve aceitar a presença de atletas de quaisquer países. 2) Seguindo a mesma linha de raciocínio do ponto 1. Se determinado país tem algum litígio ou qualquer outro tipo de animosidade com outrem, não deve organizar grandes eventos internacionais. Evitando-se com isso problemas diplomáticos desnecessários. Em suma, os Emirados Árabes Unidos têm todo o direito de não aceitar cidadãos de israel ou, genericamente, judeus em seu território. Mas para tanto não devem organizar eventos esportivos internacionais. 3) Os torneios da ATP (masculino) e da WTA (feminino) genericamente são chamados de "Aberto". Isso se explica exatamente porque os torneios são "abertos" a todos aqueles que têm ranking suficiente para disputá-los. Indiscriminadamente! 4) Atualmente, Dubai sedia um Grande Prêmio de Fórmula 1. Vamos imaginar que desponte nos próximos tempos um grande piloto israelense na categoria máxima do automoblismo mundial. Ora, seguindo-se as determinações do governo dos Emirados Árabes, esse piloto, simplesmente, estaria proibido de disputar o GP de Dubai. Ridículo! 5) O esporte, embora completamente emaranhado na política (assim como tudo na vida), tem entre seus papéis o de dar lições aos poderosos do mundo. Sim, todos aqueles românticos lugares-comuns do tipo "convivência pacífica dos povos", ou coisa que o valha, fazem (ou deveriam fazer) algum sentido prático nos rumos da humanidade.

Detalhe. Estou dizendo tudo isso, mas sou completamente simpático à causa palestina. Por outro lado, não nutro lá grande simpatia pelo Estado de Israel. De todo modo, não posso concordar com essa aberração cometida pelas autoridades de Dubai. Esporte é esporte!

Para fechar esse assunto, vale mencionar que a jovem Shahar Peer parece ter uma ótima cabeça. Destaco duas declarações da tenista israelense que demonstram bem sua lucidez ao falar desse assunto delicado. A primeira se deu no momento em que a tenista ficou sabendo que teve o visto para Dubai negado. Disse Peer: "A política e a discriminação não deveriam ter lugar no tênis profissional e em nenhum outro esporte (...) quero agradecer de coração o apoio de meus amigos, fãs e companheiros. É um momento muito difícil pessoal e profissionalmente". A outra se deu no WTA de Auckland (Nova Zelândia), no início deste ano. Cerca de vinte ativistas políticos foram protestar contra os ataques de Israel a territórios palestinos durante um jogo da israelense no torneio. Ao ser indagada sobre o protesto, Shahar Peer se saiu com essa: "Não sou o governo de Israel e não represento Israel como política. Sou jogadora de tênis e é isso o que eu represento". Irretocável!

O segundo acontecimento esportivo cretino desta semana foi a retirada de 6 pontos do Vasco da Gama pelo Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) do Rio Janeiro. É óbvio que parte de minha indignação reside no fato de eu ser vascaíno. Mas não é só isso. Esse fato deu margem a uma reflexão mais ampla acerca do código de justiça desportiva no Brasil e do futebol brasileiro como um todo.

Já há algum tempo venho percebendo o quão draconiana é a lei desportiva brasileira (a que pune atletas e treinadores, pois dirigentes e torcedores violentos continuam impunes). Por qualquer cutucão, determinado jogador pega 120 dias de gancho. Por qualquer declaração mais contundente, dado treinador é punido por vários dias. Os auditores do STJD ou TJDs se sentem os reis da cocada preta (vide o abominável Luiz Zveiter).

Vamos a alguns dos equívocos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). 1) Futebol é tensão e contato físico. Na Europa, por exemplo, empurrões são amplamente permitidos pelas arbitragens e tribunais. Pequenas agressões não são severamente punidas. Aqui no Brasil quando dois jogadores simplesmente se encaram o árbitro os expulsa e os auditores os pune. Menos né juristas desportivos... menos!

2) Caso Gama 1999 (redundou na Copa João Havelange 2000). O São Paulo teve um caso descoberto de jogador com idade adulterada (o popular "gato") no campeonato brasileiro de 1999. Tratava-se do obscuro Sandro Hiroshi. Eis que o medíocre nipo-brasileiro participou do jogo São Paulo 6 x 0 Botafogo dentro daquele campeonato. Os jogos que Hiroshi participou antes desse haviam sido prescritos, ou seja, expiraram seus prazos de punição. Pois bem: os "brilhantes" auditores do STJD decidiram (com base na hermenêutica, já que neste caso o regulamento era dúbio e confuso) que o São Paulo deveria ser punido por ter o "desleixo" de contratar um "gato". Logo, o São Paulo perdeu os 3 pontos de sua vitória por 6x0 (discutível) e o Botafogo ganhou os 3 pontos num jogo em que tomou de 6, sem grande interferência do glorioso Sandro Hiroshi (absurdo). Esses 3 pontos, justamente, foram os que livraram o Botafogo do rebaixamento naquela ocasião e, conseqüentemente, rebaixaram o Gama. O final da história é a que todos sabem. Simpatizantes do Gama acionaram a justiça comum e o clube do DF foi obrigado a ser incluído na elite do futebol brasileiro no ano seguinte. Nota: o veredito se deu às vésperas do início do campeonato brasileiro de 2000, logo, a competição foi obrigada a ter seu nome modificado para a inclusão do Gama. Coisas da tradição cartorial do país dos bacharéis!

3) Caso Jéferson 2009 (redundou na retirada de pontos do Vasco no TJD-RJ). O jogador (muito ruim, por sinal), saiu em litígio do Brasiliense em 2005. Ele alegou que não recebia alguns direitos trabalhistas há 3 anos e obteve, à época, sua liberação na justiça do trabalho do Distrito Federal. O Brasiliense recorreu e, quase quatro anos depois, o mesmo TRT-DF deu ganho de causa ao clube de Brasília. Mas em janeiro, o Vasco conseguiu uma liminar no TRT-RJ e Jéferson foi para o jogo de estréia do Vasco no campeonato carioca. A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) não reconheceu a liminar e denunciou o Vasco no TJD. O Vasco perdeu o referido jogo, o Jéferson não jogou nada e mesmo assim o Vasco perdeu os seis pontos (e por 7 votos a 1!!!!!!!).

Se fosse só isso...! Com a decisão do dia 17 de fevereiro constatou-se que o misto de vírus e câncer "Euvírus Miranda" goza de total prestígio na FERJ e influencia fortemente o TJD-RJ. Uma lástima! O futebol carioca (e o Vasco em especial) ainda continua vítima do maldito "sapo gordo fumante de charuto". Euvírus mostrou todo seu "vascainismo" e mais uma vez prejudicou a instituição Vasco da Gama em nome de uma guerra pessoal com o atual presidente do clube, Roberto Dinamite. E os auditores... não entendo porque se curvam a Euvírus... medo, rabo preso... vai saber. Durante a semana, ouvi na CBN um ex-auditor do TJD dizendo que casos como o de Jéferson sempre foram recorrentes no futebol carioca e sempre passaram impunes.

O fato é que mais uma vez a decisão no famoso "tapetão" valeu mais do que o resultado de dentro de campo. Mais uma vez a política (nesse caso a política baixa e rasteira, a politicagem) passou por cima do esporte. Uma pena. Pode parecer indignação mesquinha de torcedor que sentiu prejudicado, mas foram as indignações do notório flamenguista Renato Maurício Prado e do corinthianíssimo Juca Kfouri que me deixaram verdadeiramente indignado. Trata-se, pois, de uma questão de moralidade e decência e não simplesmente coisa de torcedor.

Enfim... o Vasco promete recorrer ao STJD (instância superior do direito desportivo brasileiro) e paralisar o campeonato carioca de 2009. E assim caminha o futebol brasileiro em pleno século XXI!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Efeitos do aquecimento global no Aberto da Austrália



Dois acontecimentos chamaram-me muito a atenção nos últimos dois dias no Aberto da Austrália. Dois tenistas, que estavam muito bem em seus respectivos jogos, sucumbiram ao calor de Melbourne e abandonaram suas partidas.

Segunda-feira, a bielo-russa Victoria Azarenka fazia uma partidaça contra a estadunidense Serena Williams. No primeiro set, a bela Azarenka, de apenas 19 anos, destruiu Serena, vencendo com propriedade por 6/3. Mas a partir do início do segundo set a bielo-russa começou a dar sinais de extremo cansaço. Tanto é verdade que quando perdia por 2 games a 1, ela começou a passar mal, vomitando e chorando. Logo após isso, a jovem tenista foi atendida nos vestiários. Ela voltou logo em seguida e demonstrou claramente que não teria condições de terminar a partida. Azarenka estava tão tonta, que parecia que a qualquer momento poderia desabar em quadra. Deu medo e a apreensão tomou conta de todos os presentes na quadra, inclusive de sua adversária, Serena Williams. A bielo-russa, mesmo com uma condição física deplorável, ainda permaneceu em quadra por alguns games. E quando o placar apontava 4/2 para Serena, Azarenka desistiu da partida e saiu de quadra aos prantos, acompanhada pela equipe médica do torneio (foto). Temperatura em quadra: 52° C.

Partiu o coração ver Victoria Azarenka chorando feito uma criança. É muito duro, para qualquer esportista, chegar preparadíssimo (a) para um evento e capitular diante de um problema físico. Foi o caso de Azarenka, que chegou muito bem para o Aberto da Austrália, tendo, inclusive, vencido há poucas semanas um torneio em Brisbane, no mesmo país. Mas ela tem apenas 19 anos e acho (torço também) que ela vai muito longe em sua promissora carreira. Menos azar para Azarenka (essa foi inevitável).

No dia seguinte, terça-feira, algo muito parecido aconteceu com o sérvio Nowak Djokovic, número 3 do mundo. No início de sua partida contra o estadunidense Andy Roddick, os termômetros da quadra apontavam 54° C. Djokovic venceu o primeiro set por 7/6 e perdeu o segundo por 6/4. Até aí o jogo estava bom e equilibradíssimo e ambos tenistas estavam bem fisicamente. Porém, no terceiro set, Djokovic começou a sentir o calor que a essa altura (pasmem) estava em 58° C. Impressionante! Quando o narrador e o comentarista disseram que era essa a temperatura dentro da quadra, na hora não acreditei. Mas logo depois as câmeras mostraram o termômetro instalado dentro da arena. E era verdade, no terceiro set a temperatura da quadra era de 58° C. Sendo assim, o sérvio perdeu o terceiro set por 6/2 e abandonou a partida no início do quarto, quando perdia por 2/1.

Alguns questionam o caráter e o espírito esportivo de Djokovic, já que ele possui um histórico de alguns abandonos em sua carreira. E sempre quando está perdendo e se vê numa situação irreversível. Acho um pouco leviano dizer isso. Basta ver os olhos do sérvio na foto acima. Os mesmos que questionam Djokovic, elogiaram o comportamento do argentino Juan Martín Del Potro. No mesmo dia, Del Potro foi trucidado pelo suíço Roger Federer por 3 sets a 0, parciais de 6/3, 6/0 e 6/0. No jargão do tênis tomou uma bicicleta, ou seja, dois pneus (6/0 e 6/0). Mesmo assim, o argentino, honrosamente, terminou a partida e respeitou o público que pagou ingresso em Melbourne. Não sei não. Acho que o caso de Djokovic foi diferente e antes de respeitar o público ou coisa que o valha, o atleta tem que respeitar sua própria integridade física. Quando não dá, não dá.

Isto posto, a discusssão é: o que fazer com o esporte quando o calor estiver intenso? Cancela-se o evento esportivo se os termômentros marcarem temperaturas exageradamente absurdas? Difícil responder. Se por um lado não restam dúvidas de que a saúde dos atletas deve ser priorizada, por outro, o esporte (bem como o show, diriam João Bosco e Aldir Blanc) tem que continuar. De todo modo, no caso do Aberto da Austrália, a organização deste Grand Slam tem sido extremamente incompetente. As duas quadras principais do torneio possuem tetos retráteis, daqueles que abrem e fecham. Logo, o que custa fechar o teto da arena para amenizar o calor, quando a temperatura superar os 45° C, por exemplo? Eles estão querendo matar um tenista? Ou estão querendo prejudicar tenistas oriundos de regiões gélidas? Ora, Azarenka é bielo-russa e Djokovic é sérvio, países notadamente de baixas temperaturas.

Ainda faltam cinco dias para o fim do Aberto da Austrália. Vamos ver as providências dos organizadores do torneio, uma vez que a expectativa meteorológica é de que o calor aumente na Austrália, nos próximos dias. Vamos acompanhar e semana que vem estarei de volta fazendo um balanço do primeiro Grand Slam do ano. Até lá!

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Pra não dizer que não falei das flores




No último dia 13, completaram-se 40 anos da decretação do Ato Institucional n° 5, para muitos o ato mais autoritário da história política brasileira. O decretum terrible, nas palavras do historiador Carlos Fico. Para Elio Gaspari, o ato iniciou uma nova fase dentro da ditadura militar brasileira, a Ditadura Escancarada. Em suma, decretou-se o golpe dentro do golpe.

Com efeito, o AI-5 foi gestado pelo menos duas décadas antes. Os contatos das forças armadas brasileiras com as estadunidenses durante a Segunda Guerra Mundial nutriu uma grande admiração daquelas em relação a estas. Dessa forma, já no imediato pós-guerra, em 1949, foi criada no Brasil a Escola Superior de Guerra (ESG). Coube a ESG a formulação da chamada Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento. Essa doutrina esmiuçou no Brasil vários elementos típicos do período da Guerra Fria. Termos como "inimigo interno", "defesa nacional", "guerra total", "império soviético", "contra-revolução" deram o tom das elaborações da ESG.

Mas o que isso tem a ver com o AI-5? Ora, o AI-5 abarcou, aprofundou e decretou todos esses elementos trabalhados pela ESG. O decretum terrible visou um controle quadripartite da sociedade brasileira, a saber: controle político, econômico, psicossocial e militar. Tudo isso refere-se frontalmente à Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.

Viajemos então ao ano de 1968. Os militares da chamada linha dura (que haviam chegado ao poder com Costa e Silva em 1967) precisavam de um mote para colocar integralmente em prática os pressupostos da referida doutrina e, consequentemente, fechar ainda mais o regime. De fato, 1968 foi um ano bastante turbulento e, portanto, pretextos não faltaram para o golpe dentro do golpe. Inclusive, há documentos que atestam que o AI-5 já estava pronto em julho de 1968. Mas a linha dura esperava o momento certo. E ele começou a ganhar corpo em setembro. Poucos antes das comemorações de 7 de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves (MDB-GB) fez um discurso inflamado e provocativo na tribuna da Câmara dos Deputados. Nele, Moreira Alves insuflou a população brasileira a boicotar os desfiles de 7 de setembro. E ainda propôs às jovens brasileiras que não se envolvessem com os jovens militares, os cadetes. O interessante é que o discurso não teve efetivamente maiores pretensões, tanto é que os jornais do dia seguinte não deram nenhuma repercussão ao caso. Não obstante, poderia ser exatamente o pretexto que os militares precisavam.

Sendo assim, a cúpula do governo Costa e Silva pediu à Câmara dos Deputados uma licença para que Márcio Moreira Alves pudesse ser processado. Após os trâmites regimentais da Câmara, enfim no dia 12 de dezembro foi feita a votação acerca da licença. A maioria dos deputados foi favorável à continuidade incólume do mandato de Moreira Alves. O detalhe é que o regime tinha confortável maioria nas duas casas, logo, muitos deputados arenistas votaram contra o governo.

Indignado com a decisão, o presidente Costa e Silva convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional (cúpula militar e cúpula do governo). Era a "Missa Negra" ou a "terrível noite que durou dez anos". Palco: Palácio Laranjeiras. Atores: presidente da república, vice-presidente da república, principais ministros e principais líderes militares. Saldo da reunião: decretação do Ato Institucional n° 5. Tempo de validade do ato: indeterminado.

O Ato Institucional n° 5 foi simplesmente a consagração do "anti-direito". Com ele o presidente da república podia dissolver o Congresso Nacional, qualquer Assembléia Legislativa ou qualquer Câmara Municipal por tempo indeterminado. Podia cassar direitos políticos, tendo o cidadão mandato ou não. Podia demitir ministros do Supremo Tribunal Federal. Podia demitir qualquer servidor público (civil ou militar), sem qualquer processo, sob a simples alegação "a bem do serviço público". Podia fixar residência para qualquer cidadão, tipo: "você só pode morar ali". Podia vetar a locomoção de qualquer cidadão, tipo: "você só viaja dentro do país ou para o exterior com a autorização do governo". Podia legislar por decreto-lei.

Além disso tudo, o decretum terrible também proibiu qualquer reunião de cunho político, recrudesceu a censura e estabeleceu a censura prévia. As arbitrariedades não paravam por aí. O AI-5 ainda cassou o habeas corpus em casos de crime político. Em outras palavras, militantes políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional não podiam responder o processo em liberdade. Aliás, os primeiros 15 dias os presos passavam incomunicáveis. Elementar: eram nesses dias que as torturas corriam soltas.

No final de 1978 o AI-5 foi revogado. Felizmente, o Brasil virou essa página infeliz de nossa história, como diria Chico Buarque. Mas é imperativo visitarmos todas as páginas do livro chamado Brasil, inclusive as páginas infelizes. E por essas e outras é que temos que concordar com o ex-premier britânico Winston Churchill: "a democracia é o pior dos regimes, com exceção de todos os demais"!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Da Constituição Cidadã


No último mês de outubro, mais precisamente no dia 5, a Constituição de 1988 completou 20 anos de sua promulgação. Há o que comemorar, afinal, nunca antes na história desse país (como diria o presidente Lula) o país viveu 20 anos ininterruptos de efetiva democracia. E este fato, sem dúvidas, tem muito a ver com a chamada Constituição Cidadã.

A carta de 1988, depois de 21 amargos anos de ditadura, garantiu - com todas as letras - liberdades individuais e coletivas e a efetividade da democracia brasileira. Aliás, a Constituição de 1988 - ao contrário de constituições anteriores, no Brasil e no mundo - apresenta os direitos e garantias fundamentais antes da organização do Estado e dos poderes. Isto tem um peso simbólico muito significativo. No fundo, o ser humano teve prevalência sobre o Estado.

Também são marcantes, na Constituição de 1988, os primeiros quatro artigos: referentes aos princípios fundamentais. Nesses artigos o Estado Brasileiro se compromete com a cidadania; com a dignidade da pessoa humana; com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; com o desenvolvimento nacional; com a erradicação da pobreza; com a redução das desigualdades sociais e regionais; e com a promoção do bem de todos. Percebe-se, portanto, além de boas doses de humanismo, uma quantidade interessante de desenvolvimentismo, estatismo e nacionalismo. Curiosamente, uma antítese ao neoliberalismo, que se iniciaria poucos anos depois no Brasil.

Mas como essa faceta progressista da Constituição se deu e se explica? Vamos lá. Primeiramente, houve, por parte dos constituintes, um forte olhar ao passado. A ditadura massacrara direitos e liberdades e adotou posturas antinacionalistas e "entreguistas", aliás, um jargão muito comum à época. Nesse sentido, grande parte dos constituintes fizeram questão de, expressamente, realçar o humanismo e o nacionalismo. Inclusive, muitos (geralmente, direitistas), hoje em dia, criticam a Constituição de 1988, dizendo que os constituintes olharam muito para o passado e pouco para o futuro.

Em segundo lugar, houve um desejo muito forte do povo brasileiro de que todos os direitos... tudo o que fosse possível fosse contemplado pela constituição. As pressões populares, durante a Assembléia Nacional Constituinte, eram para que as garantias fossem para aquele momento, para já. A preocupação tinha razão de ser, pois sempre foi muito comum que dispositivos constitucionais a serem apreciados por lei complementar ou lei ordinária, não fossem nunca regulamentados.

A terceira razão se relaciona diretamente com a própria história da Assembléia Nacional Constituinte. Sua instalação se deu no início de 1987, já que os constituintes foram escolhidos nas eleições de 1986. Durante praticamente todo o ano de 1987 (até outubro, aproximadamente), as esquerdas tiveram mais voz na constituinte. A presença do MST, da CUT e de outros movimentos sociais no Congresso Nacional foi marcante nesse período. Outro dado interessante de 1987, é que, nesse ano, a constituição começou a assumir uma orientação parlamentarista. Daí a inclusão da medida provisória no texto constitucional. A MP é um dispositivo típico do sistema parlamentarista, a ser usado pelo primeiro-ministro em temas de relevância e urgência. Alguns setores da sociedade queriam dar o máximo de poder possível ao parlamento, nesse sentido eram simpáticos ao parlamentarismo.

Contudo, no final de 1987 a direita se organizou e reagiu. Surgiu o Centrão, uma aglutinação suprapartidária conservadora, ligada ao governo Sarney. Seus membros pertenciam, sobretudo, ao PFL (hoje, DEM), ao PDS (hoje, PP), ao PTB e a setores mais à direita do PMDB. Eles ecoavam os anseios da FEBRABAN, da UDR, da TFP... Portanto, de "Centrão" não tinha nada, era "Direitão" mesmo. Mas é assim, no Brasil ninguém assume ser de direita. Ou se diz de centro ou fala que a dicotomia esquerda/direita é algo já superado. Enfim... De todo modo, o Centrão a partir de sua criação passou a prevalecer na constituinte. Dessa maneira, o mandato de Sarney permaneceu sendo de 5 anos e avanços sociais foram freados, notadamente, a reforma agrária. Quanto ao sistema de governo, no final das contas, com a participação decisiva do Centrão, a vitória foi do presidencialismo. Todavia, a medida provisória foi mantida, o que para muitos, torna o sistema brasileiro uma mistura entre parlamentarismo e presidencialismo, uma vez que o presidente da república é capaz de legislar. Já em 1993, o povo brasileiro, em plebiscito, optou pela manutenção do sistema presidencialista.

De uma maneira geral, gosto da Constituição de 1988. Ela á uma carta avançada e progressista em muitos de seus pontos. Não chega a ser um documento de esquerda, apesar de seu viés humanista e estatista. Apesar de o texto por diversas vezes mencionar a igualdade e a justiça social como compromisso do Estado, não impõe, efetivamente, maiores obrigações a este. Além disso, mantiveram-se intactas todas as bases do capitalismo brasileiro. De todo modo, a constituição salientou fortemente as garantias individuais e coletivas e protegeu a democracia brasileira e suas instituições. Nesse caso, ela merece sim o epíteto: Constituição Cidadã!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

E Obama venceu...


O democrata Barack Obama é o novo presidente dos EUA. Depois de oito terríveis anos de governo Bush, eis que a maioria dos estadunidenses e grande parte mundo respiram mais aliviados. O "dream" de Martin Luther King Jr. se concretiza e completa seu ciclo. Um representante negro dos EUA, enfim, atinge o ápice dos direitos civis e políticos, pelos quais tanto lutou Luther King. Sim, a eleição de Obama é um acontecimento histórico e emblemático, pois, simbolicamente, dentro da história norte-americana, a página do racismo foi virada.

A eleição presidencial de 2008 foi uma das poucas da história estadunidense a não deixar margem para dúvidas. Barack Obama teve mais votos populares (aproximadamente 53% dos votos, contra 47% de McCain); obteve vitória em pelo menos 28 dos 51 estados norte-americanos; entre os sete maiores e mais importantes estados, a saber: Califórnia, Texas, estado de Nova Iorque, Flórida, Illinois, Pensilvânia e Ohio, Obama só não venceu no Texas, ah o Texas... ; e conquistou pelo menos 338 delegados no colégio eleitoral, sendo que eram necessários 270 dos 538 delegados. Por tudo isso, Obama, o 44° presidente dos EUA, chega bastante legitimado ao poder.

Gostei muito da vitória de Obama. O novo presidente tem uma belíssima biografia e idéias interessantes e progressistas. Por outro lado, vem respaldado por boa parte dos setores econômicos dominantes dos EUA, prova disso é que arrecadou mais de 750 milhões de dólares durante sua campanha. De todo modo, Obama se posicionou desde sempre contra a Guerra do Iraque, participou ativamente de vários projetos sociais em Chicago e teve uma atuação muito respeitável no senado dos EUA. Quais serão suas práticas enquanto presidente... a conferir. Torço muito para que ele mantenha a coerência.

O presidente Lula gostou da eleição de Barack Obama. A presidenta Cristina Kirchner e o primeiro-ministro britânico, Gordon Browm, também. Silvio Berlusconi não gostou muito, Álvaro Uribe nem um pouco. Nicolas Sarkozy não sabe bem se gostou ou não. Hugo Chávez e Evo Morales acho que, no fundo, gostaram... eles voltarão a dialogar com os EUA. A imprensa cubana olhou com reservas, mas sem dúvidas preferia Obama à McCain. O governo cubano não se posicionou.

Assim termina mais uma eleição presidencial nos EUA. Sufrágio indireto é seu modelo; bipartidarismo engessado, sua realidade; ausência de uma justiça eleitoral federal, algo um tanto esquisito; pleito em uma terça-feira, algo bizarro; ausência de horário eleitoral gratuito no rádio e na TV... não me parece algo tão democrático, pois favorece amplamente o poder econômico. Mas é assim, nosotros brasileños só nos damos o direito de meter o bedelho nas democracias venezuelana, boliviana e equatoriana. Dessa maneira, a democracia estadunidense parece "perfeita" e inquestionável. No que se refere a ela, damos uma lição de respeito à autodeterminação dos povos!